Seja mediano, seja herói
Esses dias deparei com um meme da página Melted Videos um tanto diferente. Era um bonequinho no estilo daqueles gráficos dos anos 2000, deitado com as pernas cruzadas e com a cabeça sobre os braços com a legenda: Seja Mediano, Seja Herói.
O meme faz alusão à icônica obra de Helio Oiticica de 1968: Seja Marginal, Seja Herói. Na arte, Cara de Cavalo, um homem acusado de matar um policial, está posicionado deitado como se estivesse crucificado e morto.
Enquanto em 1968 há o mito do marginal heroico, por transgredir as regras impostas pela sociedade e ser um marginal como dito no dicionário, 56 anos depois, parece que a marginalidade está mais palpável e bem diferente da definição social que conhecemos.
A transgressão dos dias atuais que traz a alcunha de herói é simplesmente ser mediano. Em um mundo repleto de janelas para a vida de tantos, que parecem ser extraordinárias, fica cada vez mais insuportável a ideia de ser comum. Parece até ser uma lei das redes sociais sempre ter algo a mostrar, uma selfie nova, um projeto inédito, uma vida sempre acima da média.
E quem se sujeita a aceitar a realidade que está e não se pressionar para ser sempre extraordinário, transgride essa regra da ‘nova era’ — que nem é uma grande novidade, as redes sociais estão aí há um bom tempo.
Mas é justamente no campo das redes sociais que um movimento contrário surge: o de aceitar ter uma vida mediana. Aquela rotina comercial, das 9h às 17h, que não espera muitas novidades e que a vida como ela é, já é extraordinária. São conteúdos escondidos sob os infinitos vídeos de coaches, podcasts de empreendedorismo e páginas de influenciadores de lifestyle que têm várias empresas e aquela ‘vida perfeita’.
Muito além da Melted Videos, já me deparei algumas vezes rodando o feed com o perfil de um norte-americano mostrando como a rotina mediana já é ótima para ele e que isso basta.
E até celebridades já passaram pela sensação de estar falhando em ter uma vida deslumbrante. Um exemplo é o comediante Leandro Hassum, que já atuou, dublou, dirigiu e trabalhou em obras audiovisuais memoráveis e, mesmo assim, se sentiu angustiado ao ver vídeos de coachs ensinado a “produzir mais que 100%”. No mesmo vídeo, Hassum cita que isso não é vida e que a nossa carga de trabalho e responsabilidades atual já é suficiente.
No fim, o que Hassum, a Melted e o norte-americano mostram nos poucos segundos que o Instagram permite ter atenção é algo que esquecemos: não é pecado ter uma vida comum.
Por isso, em um mundo onde todos precisam ser especiais e extraordinários, seja marginal: viva do modo que bem quiser, mesmo que essa vida seja mediana, chata e criminosa para a sociedade e para as leis da vitrine virtual.