Hebe e os conflitos da liberdade de expressão

Luiza Lemos
3 min readOct 11, 2019

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Hebe em seu programa no SBT, que durou 24 anos.

Assisti ao filme da Rainha da Televisão Brasileira, que é um recorte entre os anos 80 e 90 bem suscinto da vida de Hebe. Contando desde o relacionamento conturbado com Lélio Ravagnani até os problemas na justiça com o Congresso Nacional por causa dos comentários ácidos e empoderados da apresentadora.

E esse é o ponto interessante da história: Hebe, agora vivendo em um Brasil pós-ditadura e se dizendo livre da censura, tendo que mudar o tom do programa que apresentava com tanto afinco na rede Bandeirantes. Mesmo trocando de emissora e sendo recebida de braços abertos por Silvio Santos, os problemas sobre o que ela pode ou não falar continuam.

Na vida real, Hebe teve dois problemas com o Congresso Nacional, um em 1987, quando trouxe “Giba Um” , jornalista que criticou os deputados da assembleia constituinte e que fez o programa ser enquadrado pelo extinto Dentel ( Departamento Nacional de Telecomunicações) em dois artigos do Código Brasileiro de Comunicações, o que quase suspendeu toda a programação do SBT por 30 dias.

O segundo problema foi em 1994, quando Hebe “ofendeu a honra” do Congresso Nacional tanto no programa quanto em uma entrevista para Leila Cordeiro no TeleJornal 2ª edição. Em que fazia aquilo que todo brasileiro faz: falar mal de deputados. Só que ao vivo, para todo o Brasil.

Fato é que o Artigo 220 da Constituição Federal de 1988 garante que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Mas que mesmo em 1994, após a constituição, não protegeu Hebe.

Hebe quase foi presa, com máxima de 8 anos de cadeia, apenas por falar o que bem pensava. Segundo a apresentadora, não agrediu a instituição do Congresso Nacional, e sim, os maus deputados que estavam em Brasília.

Um filme como o de Hebe abre a discussão sobre liberdade de expressão e até onde nós, figuras públicas ou não, temos abertura para falar o que bem entendemos. Ela foi direta, como sempre dizia e quase foi presa. Quantos não vemos sendo diretos e sendo presos, cerceados ou até mortos?

O problema maior é que a liberdade de expressão é uma linha tênue. Até onde é liberdade? E onde começa a agressão, o desrespeito e a calúnia? Ora, chamar um representante do Estado de vagabundo e colocar um adesivo da presidente eleita no bocal de combustível do carro, com as pernas abertas, são a mesma liberdade de expressão?

Entre a Hebe e o deputado que rasgou a placa de Marielle Franco, há muito o que se pensar sobre o que é válido e o que não é. Hebe tinha voz e usava para falar de assuntos que antes eram escondidos. Falar de AIDS e Transexualidade nos anos 80 e 90 com naturalidade é ter muita coragem. Agora, falar que irá matar petistas em comícios, é coragem ou apenas covardia para ganhar poder?

Fico do lado da Rainha da Televisão Brasileira, que sabia o limite e tinha coragem de enfrentar quem queria censurá-la. Hebe sabia que o que ela falava atingia milhões de pessoas e usava isso para o bem que ela achava mais válido.

Finalizo com parte da constituição que em tese, libertava Hebe de quaisquer denúncia e que hoje, pode e deve ser usada nesses tempos tão sombrios:

§ 2º — É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

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Luiza Lemos
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Written by Luiza Lemos

Refletindo sobre o básico, achando o extraordinário no comum, ou não.

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