Barbie e para quê somos feitas
Obviamente este texto terá spoilers, se é que isso importa.
Além do discurso feminista e anti-patriarcado que Barbie escancara entre uma cena em tons rosa e outra, um ponto do filme de Greta Gerwig me tocou de uma forma curiosa, que fez muito mais efeito com outras experiências que tive logo após assistir ao filme:
O sentimento de propósito e pertencimento.
No filme, a Barbie de Margot Robbie é chamada de “Barbie Estereotipada”. Sabe aquela boneca que você pensa quando falam o nome ‘Barbie? Pois é. Mas com o decorrer do filme, a personagem sente que ela não é feita apenas para ser o exemplo, ser o modelo, ela quer ser algo a mais. Só que nesse universo colorido, ela não pode ser a Barbie cientista, presidente ou médica. Ela é e sempre será a estereotipada.
Mas aí, vem toda a jornada do filme, a conexão com Gloria, personagem de America Ferrera e chega a questão da Barbie de seguir sendo a estereotipada ou não. Curiosamente, ela vira a tal Barbie Comum que a Gloria tanto pede ao presidente da Mattel (Will Ferrell) e vai feliz e sorridente ao ginecologista.
Se esse é o propósito da Barbie, quem somos nós para julgar, não é mesmo? Se até a versão mais básica da boneca mais famosa do mundo quer procurar um propósito e outro lugar além da Barbielândia, parece que tem algo errado por aí no nosso mundo real.
E vindo ao mundo real, há muitas Barbies e até Kens por aí, já que o personagem de Ryan Gosling também demora a entender que o propósito dele não é só ficar esperando atenção ou o amor da boneca, ele se basta. Mas o foco é a Barbie, deixa o Ken lá no Mojo Dojo Casa House.
No mundo acinzentado e sóbrio a qual é a realidade em que estamos, muitas mulheres passam pela mesma crise da Barbie. A pressão de se encaixar e, nessa caixa rotulada, ter um propósito de vida, faz muitas quebrarem e ficarem como a Barbie Depressiva.
Ou esse combo de pressão, rótulo e toques de “é melhor agradecer, olha quanta gente queria estar aí” também fazem com que a mulher quebre. Mas como toda mulher, que não se deixa abater, vem a liberdade de procurar um novo propósito.
Muitas vezes a mulher nasce já com um papel definido, ou que vai se desenhando com a vida, mas ele está lá. Seja médica, jornalista, física ou modelo estereotipada, o rótulo está lá. E em pleno 2023 ainda há quem se surpreenda se a mulher pensa um pouco fora desse rótulo.
Mudar de carreira, não querer ter filhos, optar por adotar, focar no trabalho e não querer casar. Todos esses tópicos são absurdos quando são mulheres que tocam neles. Seja a Barbie querendo ir ao mundo real, a jovem proibida de fazer uma laqueadura, ou até Aracy Balabanian que abortou para não ter filhos e não casou por querer focar na carreira e na vida própria, mas não queria ser reduzida a esses fatos.
Bom, como disse Gloria (America Ferrera): É literalmente impossível ser uma mulher.
“Sempre se destaque e seja sempre grata. Mas nunca se esqueça de que o sistema é manipulado. Portanto, encontre uma maneira de reconhecer isso, mas também seja sempre grata”.
O discurso completo me atingiu como um tapa. Me senti como as Barbies no filme, acordando de um devaneio colorido e parece que muitas outras mulheres também. E homens, nunca repararam que as mulheres andam exaustas? Já pararam para pensar o porquê?
Ao crescer e ver que o mundo não é colorido e igualitário, todas as meninas descobrem, de uma maneira ou outra, que é impossível ser a mulher ideal. Ela é inexistente. Acha que é possível ser aquela que se contenta com o próprio destino, que ama cuidar dos outros, tem uma carreira de sucesso e ainda dá conta de ser vaidosa e grata apesar dos obstáculos. Só de ler isso já sente uma exaustão, né?
“Você deveria amar ser mãe, mas não fale sobre seus filhos o tempo todo. Você tem que ser uma mulher de carreira, mas também estar sempre cuidando de outras pessoas”
E essa exaustão faz muitas mulheres desejarem que a maior aventura que tenham é só aquela ida ao ginecologista, ter um dia em que não precisamos ser extraordinárias, passar dos nossos limites e ter a liberdade real de escolha.
Penso quando finalmente importaremos da Barbielândia o slogan de que “você pode ser tudo o que quiser”. Dizem que ideias não morrem, então que esta se mantenha viva e se torne regra, não apenas uma frase de efeito de um brinquedo infantil.